ADEUS NOITES SOFRIDAS EM CLARO
ADEUS NOITES SOFRIDAS EM CLARO
Nesta sexta dia 27/06/25 dei meu último plantão noturno regular, ou seja, por obrigação de escala.
Talvez, por contingência, necessidade pontual ou a pedido, poderei dar plantões noturnos, porém, serão pontuais e não regulares, determinados por escala.
Foram 45 anos de noites em claro, às vezes chorando intimamente junto com o doente e a família pelo malogro da evolução emergencial, outras sorrindo pelo sucesso do atendimento, mas todas vividas intensamente, como se cada paciente fosse o mais importante do meu agir profissional.
Iniciei meus plantões ainda como estagiário de medicina em 1980 (aos 20 anos no 3° ano da faculdade no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, em Belém do Pará). A partir de então, trabalhei em vários serviços como estagiário e médico em Belém, Manaus, Fortaleza, João Pessoa, Natal, novamente de regresso a Fortaleza e finalmente em Caucaia, região metropolitana de Fortaleza..
O que dizer de todos esses anos? O que pude aprender?
Aprendi que o maior tesouro que o ser humano pode ter em sua vida é a saúde... a ausência de sofrimento.
Também aprendi que a dor e o sofrimento é uma condição inerente e inexorável do viver humano e animal, quiçá necessária para que, dialeticamente, possamos valorizar os momentos de saúde e felicidade em que passamos, mesmo que efêmeros.
O tolo luta sem trégua por uma situação material e financeira privilegiada socialmente.
O sábio trabalha visando a manutenção das mínimas condições de bem estar e felicidade de si e de seus semelhantes, particularmente sua família e amigos, pois tem consciência que não existe a frase fantasiosa dos contos de fadas: ¨felizes para sempre¨.
Em vida não há felicidade permanente pois, a partir do momento em que nascemos, somos ¨ser para morte¨, como afirma Martin Heidegger.
Essa consciência da finitude tem a capacidade de induzir o mecanismo de negação à maioria das pessoas, mas para uma minoria consciente de si, da realidade e do mundo, é motivo para viver sua existência de forma plena e serena.
Ainda lembro, apesar da idade, dos inúmeros plantões em claro, em longas e intermináveis noites de ansiedade pela expectativa de possíveis atendimentos de gravidade, muitas vezes solitário em meus pensamentos, mas consciente da minha importância no contexto social comunitário, mesmo que anonimamente,
Jamais esquecerei dos companheiros e companheiras de trabalho, profissionais que apesar dos seus dramas pessoais e familiares, se entregaram com denodo e humanidade ao atendimento do paciente enfraquecido e vulnerável pela doença.
Também não esquecerei das inúmeras manhãs, após um plantão bem sucedido, da íntima sensação do dever cumprido... da certeza de que não vim ao mundo sem ter um sentido para minha existência.
Agradeço a muita gente por toda essa experiência de vida. Minha família, amigos, colegas e ... enfermos anônimos.
Assumo, a partir de agora, outra frente de trabalho em prol do bem estar humano: A saúde e o bem estar do trabalhador.
PAZ PROFUNDA.
Marco Antônio Abreu Florentino
Marco Florentino
Enviado por Marco Florentino em 30/06/2025