O PARADOXO DO SABER
O PARADOXO DO SABER
Mais um texto filosófico magnífico de Oliver Harden, dentre tantos.
Tenho publicado os que mais se aproximam do meu pensamento.
A questão do conhecimento está intimamente ligada à condição racional
do homem. O único ser que consegue transformar, melhorar ou piorar a
natureza.
Entretanto, quanto mais conhecimento o ser humano detém, mais ele
deturpa a natureza original. Apesar de estar inserido na própria
natureza, é o único que consegue modificá-la e, quase sempre, para
pior.
Essa característica está ligada intrinsecamente à sua condição
individualista e egoísta. O homem, desde sempre, se preocupou com sua
sobrevivência e bem estar.
Do Australopithecus e Pithecanthropus, até o Homo Erectus e Homo
sapiens, a busca do ser racional sempre foi pela sua sobrevivência e
bem estar, em detrimento da coletividade e meio social a qual criou e
desenvolveu até os dias de hoje.
Paradoxalmente, à medida que o homem evolui, progride e reflete sobre
sua condição humana.
Percebe que, quanto mais tem conhecimento dos mistérios da natureza e
das ciências, mais entende que necessita olhar para o espelho
histórico da sua evolução.
A grande maioria dos humanos não olham pra esse espelho e quando
encaram a si mesmos, não enxergam suas essências, suas verdades e seus
limites.
Em sendo a maioria os que não refletem sobre a condição e existência
humana, àqueles, que assim o fazem, resta o isolamento e a fuga da
condição e falsidade social.
A seguir, o texto maravilhoso de Oliver Harden:
O PESO DO SABER E A MELANCOLIA DA CONSCIÊNCIA
O conhecimento, em sua natureza paradoxal, ilumina ao mesmo tempo em
que obscurece.
Ele despedaça véus outrora sagrados, dissolve encantamentos, despoja o
mundo de sua inocência primitiva e reveste a alma com o peso da
lucidez. O que antes resplandecia na aurora da ignorância torna-se
opaco sob o sol inclemente da razão.
Assim como a criança que, ao crescer, percebe que os contos de fadas
eram apenas ecos de uma necessidade psíquica e não realidades
tangíveis, o homem que ascende na escada do saber percebe que, à
medida que sobe, a beleza das coisas se desmancha entre seus dedos.
O saber entristece porque destrói ilusões. O homem simples, que
enxerga no mundo uma sucessão de maravilhas inexplicáveis, que vê na
noite um mistério e no trovão um aviso divino, carrega um brilho nos
olhos que o erudito já não possui.
A ciência da natureza esmaga apoética do cosmos. O entendimento do
tempo apaga a mitologia do destino. O desvendamento dos mecanismos da
psique reduz o amor e o
sofrimento a reações químicas, e o mistério da existência é esfarelado
sob o peso da análise racional.
O mundo, antes um grande palco da magia, se revela um palco onde os
fios das marionetes são visíveis, onde a engrenagem por trás da beleza
se mostra fria e desalmada.
Essa sensação de desencanto foi capturada pela pena de inúmeros
escritores e filósofos. Em Schopenhauer, encontramos a tese de que a
consciência é uma maldição: o homem que compreende a essência do mundo
como “vontade e representação” percebe que a vida é um ciclo de
desejos insaciáveis, e essa percepção só pode conduzir à dor.
O saber, longe de trazer felicidade, é o que revela a vacuidade de
todas as coisas. Da mesma forma, em Dostoiévski, encontramos
personagens que, ao se tornarem mais lúcidos, se tornam mais
atormentados—como Raskólnikov, cuja culpa cresce na proporção de sua
inteligência, ouIvan Karamázov, que, ao questionar Deus e a
moralidade, se condena à
angústia.
Há, ainda, a melancolia de quem percebe que a multidão, antes
fascinante, torna-se um ruído sem significado. O erudito, ao subir a
escada do saber, vê a distância entre si e os demais crescer como um
abismo. Se antes havia encanto no convívio humano, agora há fadiga; se
antes a companhia era um bálsamo, agora é um peso.
A percepção dos limites da linguagem e do pensamento tornam os
diálogos superficiais,
e o que antes parecia vasto e interessante reduz-se a ecos repetitivos
de obviedades. Aqui, a tragédia da sabedoria se alinha ao destino do
super-homem de Nietzsche, que, ao superar as ilusões do homem comum,
se vê isolado em sua própria montanha.
E então, há esperança para quem sabe demais? Ou está condenado a viver
sem graça, sem deslumbre, sem encantamento? Talvez a resposta esteja
em Camus, que, ao reconhecer o absurdo da existência, propõe a
rebeldia da aceitação. “Deve-se imaginar Sísifo feliz”, escreve ele,
sugerindo que, mesmo diante da lucidez cruel, o homem pode reencontrar
sentido, não mais na ilusão, mas na própria consciência da tragédia.
Talvez a única saída para o sábio seja reencantar o mundo não através
da ignorância, mas da arte. Encontrar beleza, não no mistério, mas na
aceitação daquilo que é.
O conhecimento entristece, mas não precisa condenar. Ele apenas exige
que o encanto seja reinventado.
Oliver Harden
https://youtu.be/Z0sXYrtw5uM
(Sal da Terra - Beto Guedes)
Marco Florentino e Oliver Harden
Enviado por Marco Florentino em 01/02/2025
Alterado em 01/02/2025