A FACE ESCURA DA HUMANIDADE
A FACE ESCURA DA HUMANIDADE
NOTA: Mais um fato da história que nos mostra a tendência da natureza humana em buscar o poder às custas da dominação e exploração dos seus semelhantes, mormente os menos favorecidos, e a preocupação em mantê-los em permanente submissão, para que seus privilégios sejam mantidos por gerações e gerações.
Neste caso, representado pelas classes dominantes da época... a igreja, o papado e a nobreza, criando grandes expedições punitivas, como as cruzadas, pelo simples fato de alguns povos não compartilharem com a fé cristã convencionada no establishment da Europa medieval.
Milhares de pessoas, comunidades inteiras eram queimadas vivas, incluindo mulheres e crianças, em nome da fé e da igreja, entretanto, sabemos que grandes interesses de ordem comercial e política também estavam envolvidos.
Atualmente, essas classes estão representadas pela elite ¨elitizada¨, uma parte da elite detentora dos meios de produção, a chamada elite ¨rastaquera¨ e a burguesia que fede, mas tem dinheiro pra comprar perfume, os chamados novos ricos (porém assalariados) e a classe média afetada, que tem como parâmetros de valorização social, o fato de conhecerem Paris, os quais fazem questão de incluir suas fotografias em frente à Torre Eiffel nas redes sociais e os que conhecem ou não a Disneylândia, conforme bem comentou Ariano Suassuna em memorável palestra.
É claro que esse contexto social continua a ter o respaldo e apoio de políticos corruptos e das instituições religiosas, principalmente cristã, hoje com maior representatividade da igreja evangélica que, junto com a católica, apesar dos apelos de caridade e simplicidade (na maioria falsos), funcionam como uma espécie de indulgência para tais atitudes de interesse material e egoísta, legitimando assim, a continuidade ¨ad infinitum¨ desse comportamento humano asqueroso.
Interessante e motivo de reflexão é o fato dessas classes, ditas dominantes, ser minoria perante a massa de explorados, entre miseráveis, pobres, trabalhadores e camponeses, inclusive componentes da classe média e assim mesmo se deixarem submeter a tal situação humilhante e indigna. Talvez, neste caso, La Boeci tenha a explicação com o seu ¨Discurso da Servidão Voluntária¨.
Outro fator curioso é a constatação de que, essas pessoas que se encontram em situação de exploração, quando galgam melhores condições financeiras e materiais, são as primeiras e mais dedicadas em também explorar seus semelhantes, o que demonstra que o problema não é somente uma questão ética e moral, mas também de natureza... a humana.
Marco Antônio Abreu Florentino
EXTERMÍNIO DOS PUROS: CATARISMO, O MOVIMENTO CRISTÃO QUE EMBASAVA A HERESIA A DEUS
Após confrontarem a Igreja Católica e o Papa, o destino dos seguidores, chamados de cátaros, foi a fogueira.
João Ricardo Dias da Silva, atualizado por Wallacy Ferrari. Publicado em 24/10/2021
A memória do cristianismo nos remete a um labirinto de crenças, hábitos, guerras e histórias inimagináveis. Adentrá-lo é uma instigante viagem pelas raízes da sociedade ocidental, e deixá-lo é quase impossível, tamanha a paixão que desperta.
Pelas trilhas dessa história pode-se encontrar ataques de reis aos papas, cruzada contra os próprios cristãos, nascimento de seitas hereges e destruição de antigas crenças. São muitos os caminhos que trouxeram o cristianismo ao estágio atual.
Hoje há 2 bilhões de cristãos no mundo, com seguidores em todos os cantos do planeta. Mas nem sempre foi assim. Jesus, o personagem-chave para a História cristã, foi morto pelos romanos. Seus apóstolos, discípulos e fiéis foram perseguidos, cujas mortes muitas vezes serviram de entretenimento para a população de Roma.
Cruzadas
Muito aconteceu até o cristianismo ser a religião oficial do Império Romano. O que veio depois se conhece bem: a Igreja Católica tornou-se a instituição mais importante da Idade Média - ao menos no Ocidente. O mundo medieval seguia seu rumo até surgir um movimento que mudaria o curso da História: as Cruzadas. Nelas, milhares de cristãos de toda a Europa se uniram para combater um novo inimigo que surgira no Oriente Médio, o Islã.
Estabelecido no século 7 por Maomé - profeta árabe que teria recebido do anjo Gabriel uma série de revelações, reunidas no Alcorão -, o islamismo teve um grande crescimento em direção ao norte da África e Península Ibérica e nos territórios mais ao leste, em direção à Índia, onde hoje é o Paquistão.
Em 1096, data de início da Primeira Cruzada, Jerusalém estava sob o poder islâmico. Três anos depois, em 1099, os exércitos cruzados reconquistaram a Terra Santa. Essa primeira guerra dos cristãos europeus pelo domínio de Jerusalém teve grandes perdas materiais e humanas, mas atingiu seus objetivos, o que não ocorreu em todas as outras Cruzadas.
Os cruzados geralmente lutavam contra um inimigo de outra fé, aquele que não acreditava em Jesus Cristo. No entanto, no sul da França - numa região autônoma chamada Languedoc - havia uma seita cristã cujos integrantes eram conhecidos como cátaros. Eles professavam um tipo próprio de religião, embora se denominassem cristãos.
A religião de poder crescente incomodou o papaInocêncio III, que a considerava herege. Ele, então, instituiu em 1209 uma luta armada contra o povo cátaro. tinha início a Cruzada Albigense. Uma luta de cristãos contra cristãos.
As raízes
Nos primeiros séculos após a morte de Jesus, surgiram muitas comunidades cristãs. Uma delas foi formada por Mani, persa nascido por volta de 227 na Mesopotâmia (hoje Iraque). Ao que parece, o cristianismo foi uma de suas primeiras doutrinas, mas suas andanças pelo mundo fizeram com que ele acrescentasse elementos de outras correntes religiosas, principalmente as orientais (zoroastrismo, hinduísmo, budismo, judaísmo), em sua doutrina. Os seguidores de Mani - os maniqueístas - pregavam a divisão do mundo entre dois opostos, o Bem e o Mal.
No final de sua vida, Mani foi perseguido por sacerdotes persas, que não aceitavam a fé cristã, e então foi crucificado em nome de sua religião. Mesmo assim, sua doutrina se difundiu pelo Império Romano, e, no século 5, uma comunidade com fortes traços maniqueístas, os paulicianos, surgiu na região da Armênia.
Durante os séculos em que permaneceram nessa região, os paulicianos se fortaleceram a ponto de incomodar o forte Império Bizantino - como também era chamada a extensão oriental do Império Romano. Houve uma grande perseguição, que culminou na migração desse povo para a região dos Bálcãs, e na morte de 100 mil seguidores.
Um padre chamado Bogomilo, juntamente com os paulicianos, fundou o que passou a ser chamado de bogomilismo. Para eles o Deus que criou o mundo espiritual era diferente do Deus que criou a matéria. A igualdade social e o afastamento dos pobres da dominação clerical e da nobreza eram algumas das ideias que pregavam. Uma seita herege em plena Europa cristã.
A estrutura
Muitos cruzados que passaram pela região dos Bálcãs, para chegar ou sair de Jerusalém, ao retornar à sua terra natal, principalmente na França, trouxeram consigo as ideias dualistas dos bogomilos. Mas a perseguição contra eles foi extremamente forte, o que resultou na sua dissolução.
Partes importantes de suas doutrinas, no entanto, foram assimiladas pelos cátaros no Languedoc, ou a Provença Francesa - a região mais educada, culta e hedonista da Europa.
Os cátaros se proclamavam cristãos, mas seguiam uma doutrina com características próprias. Pregavam principalmente a simplicidade e a pureza (Katharos significa "puro" em grego). Acreditavam na Bíblia, mas basicamente no Novo Testamento, embora não acreditassem que Jesus fosse filho de Deus - seria apenas um profeta importante.
Assim como os discípulos de Mani e os bogomilos, acreditavam em dois deuses, um bom, que criara o mundo espiritual, e outro mau, criador da matéria. Seus sacerdotes, que podiam ser homens ou mulheres, eram conhecidos como "perfeitos". Havia mais duas divisões da ordem: o nível abaixo dos perfeitos eram os chamados "crentes", que compunham a maioria dos cátaros. E havia também os "ouvintes", no geral os simpatizantes da doutrina.
Na doutrina cátara, havia um só sacramento, o consolamentum, que de certa forma reunia o batismo, a ordenação e a extrema-unção. Eles consideravam a missa - que transformava o pão na carne de Cristo - inadequada e imprópria.
Condenar uma cerimônia cristã era uma heresia na época (entre outras tantas atribuídas a eles pelo papa). Proclamou-se, então, a Cruzada Albigense, com o objetivo de aniquilar todos os cátaros. O nome da Cruzada deriva da primeira cidade a ser atacada, Albi, onde se concentrava grande parte da população cátara, que por isso também era conhecida como albigense. O líder militar do movimento foi Simão de Montfort, um nobre da região de Toulouse, na França, que lideravam um Exército de 10 mil homens
Fogueira como destino
As Ordens monásticas de cavalaria, como a dos Templários e a dos Hospitalários - instituições que nasceram no reino de Jerusalém após a Primeira Cruzada -, tinham consideráveis propriedades na Provença Francesa.
O objetivo inicial de estarem ali era oferecer abrigo e proteção aos peregrinos que seguiam para a Cidade Santa, no entanto, elas se tornaram essenciais nessas Cruzadas. Sem as Ordens, grande parte das guerras dos cristãos na disputa por Jerusalém seria inviável. Em alguns territórios europeus, como na Provença, elas conviviam em paz com muçulmanos e os cátaros.
No início da Cruzada Albigense e no decorrer das batalhas os cátaros receberam abrigo nas propriedades dessas ordens, principalmente na dos Templários, que, devido à independência do clero - eles respondiam diretamente ao papa -, podiam receber até mesmo excomungados. Ainda assim, não podiam ser contrários ao papado e à Igreja Católica, então seu maior papel foi ficarem neutros.
Os combates dos cruzados contra a população do Languedoc foram implacáveis, a população era queimada viva em fogueiras, sem poupar mulheres ou crianças.
As perseguições e os assassinatos só acabariam em 1229, quando foi selado um acordo de paz. Mas grande parte dos cátaros já havia sido dizimada, numa evidente demonstração do enorme poder dos papas na Europa medieval. Um dos resultados da perseguição foi a criação da Santa Inquisição, idealizada pelo papa Gregório IX, sucessor de Inocêncio III, que assumiu em 1227.
A última ação militar contra os cátaros ocorreu em 1243, na qual o Exército da Santa Inquisição lhes dava a opção de negar sua fé. Caso não aceitassem, eram queimados na fogueira - considerada pela Igreja a única maneira de salvar suas almas.
Em 1321, quase 100 anos depois do início da Cruzada Albigense, o último sacerdote cátaro de que se tem notícia, Guillaume Bélibaste, foi morto na Espanha, onde havia se escondido. Acabava de uma vez por todas, assim, a História dos cristãos puros e humildes.
Marco Florentino e João Ricardo Dias da Silva e Wallacy Ferrari
Enviado por Marco Florentino em 25/10/2021
Alterado em 26/10/2021