VIVER, EXISTIR E APRENDER: Poeta Russo Óssip Mandelstam
VIVER, EXISTIR E APRENDER: Poeta Russo Óssip Mandelstam
O dizer ¨vivendo e aprendendo¨ tem se mostrado um dos mais corretos e sábios ditados de origem popular que tenho constatado em minha breve existência (já quase longa aos sessenta anos).
A fascinante e trágica história de vida e obra de Óssip Mandelstam, considerado um dos maiores poetas de língua russa, era por mim totalmente desconhecida, no que pese toda sua importância para a literatura russa e também universal. Desconhecida até o momento em que me deparei com ela através das redes sociais (Facebook) pelo site ¨Aventuras na História¨ (quem diria, logo eu que vez por outra sou um crítico mordaz da internet como meio de cultura e conhecimento).
O fato é que fiquei particularmente impressionado com essa história de coragem, sofrimento, literatura, lucidez política / poética, filosofia existencial, medo, coerência de valores e humanidade em grau demasiadamente humano.
Óssip Mandelstam em vida, viveu com intensidade quase todas variedades de sentimentos que um ser humano pode viver, conforme descrito no artigo postado pelo ¨Aventuras na História¨, entretanto, manteve-se fiel e coerente com seus valores e modo de pensar até o fim da sua vida, não se deixando perverter pelos pseudo valores de igualdade e justiça social que o socialismo soviético de Stálin propalava e que seduziu tantas pessoas e personalidades que se consideravam ou ainda se consideram progressistas de esquerda.
Muitos, como eu, talvez nem conhecessem em profundidade e detalhes a verdadeira história desse momento da aventura humana ocorrida no século XX, de 1914 / 1917 (início da primeira grande guerra e posterior Revolução Russa) a 1989 / 1991 (queda do muro de Berlim e, posteriormente, da URSS).
Em tempo: longe de mim ser um defensor do capitalismo radical ou selvagem.
O escritor e crítico literário Viktor Chklovski falava assim de Mandelstam: ¨Foi um homem… estranho… difícil… comovente… e genial¨.
A seguir, dois de seus poemas. O primeiro, um soneto, forma poética que muito aprecio, de uma lucidez reflexiva existencial como poucas vezes vi em um poema. O segundo é o famoso texto poético conhecido como ¨Epigrama de Stálin¨, que o levou à prisão na Sibéria e à triste e sofrida morte em campo de trabalhos forçados.
Mandelstam formulou-o em 1933 e chegou a declamá-lo para algumas pessoas e, por isso, acabou denunciado ao ditador implacável. ¨Em nenhum lugar do mundo se dá tanta importância à poesia: é somente em nosso país que se fuzila por causa de um verso¨.
Como afirma o jornalista Euler de França Belém:
Stálin destruiu o poeta Óssip Mandelstam mas perdeu a batalha histórica. A poesia continua a infernizá-lo.
CASSINO (1912)
Não gosto de prazer premeditado.
O mundo, às vezes, é um borrão escuro.
Eu, meio bêbado, estou condenado
A ver as cores de um viver obscuro.
O vento brinca e às nuvens descabela.
A âncora cai no fundo do oceano.
E inanimada, como numa tela,
A alma pende sobre o abismo insano.
Mas amo estar nas dunas do cassino,
A larga vista da janela baça,
Um fio de luz na toalha que desbota,
À minha volta o mar verde-citrino,
Vinho, como uma rosa, em minha taça
E eu a seguir o voo da gaivota.
DE MANDELSTAM PARA STÁLIN
Tradução de Augusto de Campos¹]
Vivemos sem sentir o chão nos pés,
A dez passos não se ouve a nossa voz.
Uma palavra a mais e o montanhez²
Do Kremlin vem: chegou a nossa vez.
Seus dedos grossos são vermes obesos.
Suas palavras caem como pesos.
Baratas, seus bigodes dão risotas;
Brilham como um espelho as suas botas.
Cercado de um magote subserviente,
Brinca de gato com essa subgente.
Um mia, outro assobia, um outro geme.
Somente ele troveja e tudo treme.
Forja decretos como ferraduras:
Nos olhos! Nos quadris! Nas dentaduras!
Frui as sentenças como framboesas.
O amigo Urso abraça suas presas.³
Marco Antônio Abreu Florentino
Marco Florentino
Enviado por Marco Florentino em 09/01/2020
Alterado em 10/01/2020