Marco Florentino
Em prosa e verso
Textos
O MITO DA GOIABEIRA
          
O MITO DA GOIABEIRA

ADVERTÊNCIA: A narrativa a seguir trata de uma antiga lenda popular que remonta aos tempos do início da era cristã, portanto há mais de dois mil anos e, como toda lenda que se preze, não se conhece a época e nem o lugar exatos de origem, tendo sido transmitida através dos séculos por relatos verbais até os nossos dias. Acredita-se que exista um pergaminho escondido à sete chaves por uma sociedade secreta que, através de uma testemunha presencial, detalhou os acontecimentos iniciais ao que passou a ser considerado uma crença e portanto um mito.

             No auge do Império Romano, no reinado de Tibério, imperador que sucedeu alguns anos depois o todo poderoso Júlio César, o mais respeitado e temido de todos os imperadores, porém amado pelo povo romano pois era o marido de todas as mulheres e esposa de todos os homens (por isso vestia azul durante o dia e rosa à noite), corria a notícia de que na região da Judeia, província romana governada por Herodes Antipas, um rebelde andarilho de origem judia estava causando preocupações às autoridades romanas e religiosas locais pelo rumor difundido entre a população de que era capaz de operar milagres, se autoproclamando o profeta filho de Deus. Grande parte do povão achava que era o Messias tão esperado e anunciado nas profecias do antigo testamento.
             Herodes, fascinado pela jovem e linda Salomé, achou que ordenando a decapitação de João Batista (outro famoso pregador rebelde primo do primeiro), a pedido de sua cuidadora ou melhor dizendo, pretendente, esperava que a paz voltasse ao seu reino... ledo engano.
             O tal missionário referido anteriormente, pregava uma espécie de socialismo embrionário (visto que Karl Marx só viria nascer mais de mil e oitocentos anos depois), ensinando valores éticos e morais como humildade, igualdade e fraternidade até então nunca vistos pela população da época. Seu nome era Jesus de Nazaré, o Cristo salvador e redentor dos pecados do homem.
             Seu nascimento e sua história, a mais conhecida da humanidade, foi amplamente divulgada pelas sagradas escrituras através de seus apóstolos e seguidores, a qual deu origem ao cristianismo, o maior e mais importante movimento religioso da civilização ocidental. Entretanto, alguns acontecimentos ocorridos por ocasião da sua paixão, morte e ressurreição que foram deliberadamente omitidos, não escaparam da percepção de um anônimo e humilde escriba que tratou de anota-los num pergaminho, sendo este um texto considerado apócrifo.
             Muito bem! Pois foi esse fatídico pergaminho que deu origem aos longos e trágicos eventos que produziram o ¨mito da goiabeira¨.
             Segundo informações não oficiais, o pergaminho descrevia, dentre outras coisas, os acontecimentos anteriores à crucificação de Jesus como a sofrida e profunda oração feita com seus apóstolos no Gatsêmani - Jardim das Oliveiras.
             Descreve também, os fatos ocorridos com um personagem esquecido da Paixão de Cristo... o ladrão bom, de nome Dimas, que foi crucificado ao lado de Jesus e que, como derradeiro ato de sua vida, entregou sua alma arrependida a Deus. Acontece que, após sua morte, Nicodemus, um fariseu rico que ajudou José de Arimatéia no sepultamento de Jesus, ordenou ao seu escriba (sim, aquele mesmo escriba anônimo, cuja graça era Olívio, o do Carvalho, visto que sua casa ficava embaixo de um frondoso carvalho) que enterrasse Dimas num gesto de misericórdia àquele que se arrependeu com sinceridade na hora da sua passagem para o céu.
             Olívio, o do Carvalho, providenciou o sepultamento de Dimas no jardim das goiabeiras, embaixo de um grande pé de goiaba, para diferenciar das oliveiras. Vez por outra Olívio retornava para este lugar, que considerava aprazível, em busca de paz e silêncio para escrever, pois o mesmo tinha dificuldades com o vocabulário hebraico... errava nas concordâncias verbais e nominais, trocava o tempo dos verbos, o passivo pelo afirmativo e outras sérias falhas para uma pessoa que se achava intelectual. O fato é que Olívio nunca tinha cursado uma universidade, quanto mais um mestrado ou doutorado na USP, até porque naquela época ainda não existia.
             Certo dia, acreditem se quiserem, quando Olívio estava sentado num galho de goiabeira, quase teve um piripaque ao ver Dimas tentando subir até onde ele estava. Instintivamente chorou e gritou que tomasse cuidado para não cair. Em lá chegando, Dimas abraçou Olívio e profetizou: ¨todo aquele que me enxergar num pé de goiabeira vai ter prosperidade em mil e uma noites¨.
             Pra que? A partir dai o tal pergaminho virou notícia no boca a boca, fazendo com que toda criatura pensante ambicionasse possui-lo para descobrir seu segredo. Olívio após esse vital acontecimento escafedeu-se junto com seu pergaminho.
             Passaram-se alguns séculos até a noticia de que Carlos Magno teria tido acesso ao pergaminho. Parece que imediatamente procurou um pé de goiaba. Não se sabe bem o que aconteceu mas o fato é que após esse momento, Carlos, conhecido na intimidade como Cacá, partiu para fundar o maior império pós romano na Europa, o carolíngeo, que tratou de unificar a igreja católica, que era a  mais importante representação do cristianismo, ao estado, criando o Sacro Império Romano Germânico, o primeiro Reich.
             Mais séculos se passaram e numa pequena cidade germânica chamada Eisleben, espalharam fortes rumores de que Olaf de Carvalho, um cobrador de impostos descendente direto de Olívio, o do carvalho (dai o sobrenome), tinha se apossado do pergaminho. Olaf, de tanto encher a paciência de um pacato monge agostiniano chamado Martin Luther, o Lutero, convenceu-o em publicar noventa e cinco teses que discordavam de forma contundente de diversos dogmas do catolicismo romano.
             Pronto! Foi dado o passo inicial do protestantismo que, depois do advento da revolução industrial e do capitalismo criou-se o pentecostalismo e, mais recentemente, neopentecostalismo, uma poderosa indústria de bens de capital, principalmente num pais tropical abençoado por Deus localizado na América do Sul, descoberto por portugueses no período das grandes navegações e que, contraditoriamente ao que diz esses mesmos neopentecostais, só foi possível porque a Terra é redonda e circula ao redor do sol.
            Parece que a lenda de que Isaac Newton despertou de seu sono dogmático científico com a descoberta da gravidade por conta da queda de uma maçã na sua cabeça quando estava repousando debaixo de uma macieira, é mentira. Segundo consta, Newton estava debaixo de uma goiabeira quando Oliver, também da estirpe dos Carvalhos, jogou propositalmente uma goiaba na sua cabeça na tentativa vã de afugenta-lo. Coincidência ou não, depois desse acontecimento foi publicado o revolucionário ¨Princípios Matemáticos da Filosofia Natural¨.    Realmente Oliver de Carvalho agiu à altura da sua natureza familiar... também era um levado da breca.
             Mas voltando para o destino do pergaminho, o fato é que muitas pessoas continuam a busca-lo. Enquanto não encontram, muitos se contentam em fazer orações sentados num galho de goiabeira.
            Eu mesmo quando criança, ao viajar de Curitiba para Fortaleza nas férias escolares, ficava hospedado na casa da minha avó materna com meus irmãos, o que nos causava uma esfuziante alegria. A casa da rua Princesa Isabel 829, no centro de Fortaleza, era estreita, de aproximadamente uns sete metros de largura, mas enorme em profundidade, pois ali funcionava uma das primeiras torrefações de café da cidade, o Café Santa Rita.
            Lá no finzinho da casa, depois da fábrica, tinha um pequeno quintal com uma goiabeira onde eu, meus irmãos e toda ¨primarada¨ gostava de brincar. Nada acontecia de estranho naquela goiabeira. Lembro-me que o único episódio marcante foi quando, ao comer uma goiaba verde, visualizei um bicho de goiaba que me encarou com olhinhos tão tristonhos que não tive coragem de devora-lo, jogando a goiaba fora.
            Não entendíamos a estranha atração que esse pé de goiaba nos causava mas o fato é que minha vó, uma das mulheres mais sábias e fortes que conheci, mandou cortar quase na raiz a árvore dos nossos folguedos, o que nos causou muita tristeza, logo esquecida pela providencial natureza infantil das nossas mentes.
             Entretanto, o mito da goiabeira continuou vigoroso, agora meio que deturpado devido a crença de que quem aparece nas visões dos que acreditam é Jesus e não Dimas, o ladrão bom. Até nome deram às pessoas por conta do mito. Um amigo de fé disse ter conhecido um tal de J.G. Goiabas... sei não.
             Recentemente uma senhora cujo nome não me lembro mas que é conhecida como a ¨dama dos ares¨, pois tem a fama de que vive com a cabeça nas nuvens, deu um testemunho que, aos nove anos, acreditem se quiserem, numa tentativa de suicídio com uma substância (não vou falar veneno em respeito a alguma criança que possa estar lendo este texto), sentada num galho de goiabeira. Naquele instante teve a visão de Jesus, que apesar de todos os seus poderes, teve dificuldade para subir aonde ela estava, motivo que a fazia gritar para que ele não subisse pois podia cair e se machucar. Em lá chegando com a sua ajuda, a visão, que em verdade era Dimas, o ladrão bom, lhe abraçou... e ela chorou copiosamente.
             Coincidência ou não, hoje ela é uma grande autoridade no seu país. Indicada por quem? Isso mesmo, um tal de Olavo de Carvalho, outro remanescente do originário Olívio. Fica a pergunta: será que vai durar mil e uma noites?

Marco Antônio Abreu Florentino
Marco Florentino
Enviado por Marco Florentino em 06/01/2019
Alterado em 07/01/2019
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