Marco Florentino
Em prosa e verso
Textos
SOMBRAS DA ESCRAVIDÃO LABORAL
SOMBRAS DA ESCRAVIDÃO LABORAL

            A aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de lei que regulamenta e autoriza a contratação de mão de obra terceirizada em qualquer ramo de atividade para execução das tarefas nas empresas, incluindo as atividades fins (PL 43o21/98), de autoria do deputado Sandro Antônio Scodro, conhecido por Sandro Mabel por ser dono da ¨Biscoitos Mabel¨, pode ser comparado a um tsunami de gigantescas proporções para o trabalhador brasileiro.
            Na qualidade de médico do trabalho há mais de trinta anos, passando por empresas públicas e privadas como a Caixa, as indústrias da zona franca de Manaus, hospitais particulares e estatais, inclusive na condição de terceirizado, nunca pensei que viveria para ver a classe trabalhadora brasileira ser rebaixada e humilhada a esse nível.
            Já é sabido e comprovado que a terceirização dos trabalhadores, a despeito de toda promessa e propaganda favorável à essa condição, na prática não é o que se constata. Quase todos os direitos básicos dos operários são desrespeitados e o que se vê é a instalação do medo e da insegurança generalizados, criando situações típicas de deterioração psicossocial no ambiente de trabalho como: competitividade desmedida, excesso de autoritarismo por chefes inseguros, pouca motivação, baixa auto estima, falta de compromisso com a qualidade do trabalho, sobrecarga de atividades, desrespeito à jornada laboral e tantas outras velhas conhecidas, carreadas pelo aviltamento salarial.
            A consequência direta dessa condição é o adoecimento do trabalhador, seja por afecções de natureza física como também mental, sem falar na predisposição ao aumento das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho. Alguns casos são passíveis de afastamentos prolongados que exigem o encaminhamento para a Previdência Social - INSS e consequente recebimento do benefício de auxílio doença, que reduz ainda mais a remuneração mensal percebida enquanto ativo, chegando em alguns casos a setenta por cento do valor salarial, além de representar uma autêntica condenação ao empregado, pois a grande maioria das empresas não quer mais recebê-lo, fazendo com que a terceirizada o demita.
            É na área de recursos humanos e setor de pessoal, incluindo os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho - SESMT, responsáveis pela segurança, higiene e proteção dos trabalhadores através de ações preventivas e fiscalização das condições de trabalho, os quais incluem a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - CIPA  e os serviços médicos, que convergem quase todos os problemas relacionados ao trabalhador, entretanto, apesar da responsabilidade solidária prevista em lei, em raras situações e organizações o trabalhador recebe o devido atendimento pela contratante,  ficando geralmente à mercê da contratada, que em sua grande maioria não fornece qualquer benefício ou proteção.
            Quanto aos serviços médicos, muitos também terceirizados, o profissional da medicina do trabalho frequentemente fica de mãos atadas, pois não recebe a devida atenção e consideração por parte dos gerentes e executivos da empresa, sendo que alguns médicos, seja por insegurança, seja pelo medo de perder uma remuneração diferenciada, preferem se omitir e ignorar a situação.
            Por sua vez, os órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho também se tornam inoperantes em função do engessamento que a própria lei determina, criando embaraços jurídicos e legais. Os sindicatos, que na sua grande maioria já eram ineficientes, verdadeiros cabides de oportunidades para elementos de má fé, agora exacerbam sua inutilidade.
            O que mais dói nessa conjuntura política, é saber que esse acontecimento devastador para o trabalhador brasileiro ocorre num governo espúrio e ilegítimo, que só tem demonstrado eficiência e celeridade nas ações prejudiciais ao povo brasileiro, como na saúde, previdência e trabalho, com a já habitual desculpa de recuperação econômica que, diga-se de passagem, foi causada pelo próprio governo e políticos afins.
            Meu consolo é saber que esse é mais um tiro no pé daqueles que se aproveitam da crise para incentivar e influenciar junto ao governo, medidas tão nefastas, pois meus trinta e poucos anos de experiência foram suficientes para constatar que toda empresa, seja de qual ramo for, ao fortalecer a terceirização, padece de descaracterização, perdendo de forma sub- reptícia e lentamente, sua identidade e representação junto à sociedade, com consequente queda da produtividade e do lucro.
            Hoje, pela minha experiência, formação e nível de especialização, tenho tido o privilégio de somente trabalhar em empresas que valorizam seu corpo funcional, conscientes da importância deste no processo de crescimento das empresa enquanto instrumento de desenvolvimento social, enaltecendo qualidades como respeito, honestidade, transparência e valorização do ser humano.

Marco Antônio Abreu Florentino
Médico do Trabalho  
Marco Florentino
Enviado por Marco Florentino em 23/03/2017
Alterado em 25/03/2017
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