ÚLTIMO RETORNO

            O ano era 1930, o lugar Siqueira Campos, pequena cidade do norte velho do Paraná. Manoel Antônio Florentino estava exultante, nascia seu terceiro filho macho, de uma prole que seriam cinco. Talvez esperasse uma menina, porém o destino quis que seus descendentes fossem todos do gênero masculino.
            A esposa Lúcia não se arrostava, já estava acostumada aos desígnios do parto. Aceitou bem o terceiro rebento.
            José, o primogênito, era calmo e tranquilo, talvez até demais, em contraste com o segundo filho Joaquim, o quinzinho, tão peralta quanto sua capacidade de chamar atenção para si.
            O pai queria que todos os cinco filhos fossem padres, matriculando-os em seminário católico. Nenhum conseguiu... ironicamente todos se formaram militares.
            Tonico, como foi apelidado, era plácido e estranhamente reflexivo, nada que preocupasse os pais. Posteriormente nasceria Sebastião e Luiz, o caçula protegido de Lúcia.
            Tonico foi criado no ¨pé da Serra da Alemoa¨, pequeno distrito de Siqueira, Teve uma infância feliz junto aos seus três irmãos mais próximos, visto que o caçula era muito pequeno.
            Muitas aventuras de infância foram vivenciadas e posteriormente contadas para seus filhos e sobrinhos, mas o destino imprevisível deixou os cinco irmãos precocemente órfãos. Manoel faleceu ainda jovem, de pneumonia bilateral. Tonico estava com doze anos de idade.
            Os quatro irmãos foram para São Paulo e lá passaram muitas dificuldades, mas conseguiram superar todas.. O irmão mais velho, José, que estava entrando para aeronáutica, sofreu um acidente aéreo e passou a apresentar problemas de natureza psiquiátrica. Algum tempo depois desapareceu e até hoje não se tem notícia dele.  
            Os três irmãos mais próximos ficaram muito amigos. Tonico entrou para aeronáutica e lá conseguiu carreira próspera, iniciando como soldado e chegando a tenente coronel da reserva remunerada. Os outros dois, inclusive o menor, ingressaram na polícia militar de São Paulo. Luizinho, o caçula, faleceu precocemente.
            Tonico, numa de suas transferências oficiais, foi designado para Fortaleza, no Ceará e lá conheceu Helena que prendeu seu coração. Casou e teve cinco filhos, três garotos e duas meninas. Foi um militar pioneiro ao fazer cursos nos exterior pela FAB, no caso os EUA, onde nasceu na Flórida seu quarto filho, uma menina.
            Muitos anos depois na Infraero, transferido para Belém do Pará, depois Imperatriz/MA e Campina Grande/PB, Tonico resolveu viajar para sua cidade natal. Acreditava, como bom místico, que seria um chamamento espiritual do entardecer da sua existência. Foi acompanhado da sua esposa Helena e do seu terceiro filho formado em medicina.
            Ao chegar em Siqueira, antes de se acomodar na casa de parentes, resolveu passear pela cidade lembrando suas reminiscências do passado..
            Numa mercearia de esquina, lembrou de seu melhor amigo de infância, cujo pai já tinha estabelecido o referido comércio desde sua época juvenil. Ao entrar encontrou um senhor maduro, de aproximadamente sessenta anos, careca igual a ele, atendendo clientes. Se aproximou e falou relutante : - ¨Manuelzinho¨. Este se virou, fitou longamente seu interlocutor e após um tempo que não se mede, suspirou: ¨TONICO¨. Os dois se abraçaram e choraram. Difícil descrever uma cena em que dois homens que se avelhantaram pelo tempo, de tantas vivências e experiências, parecer duas crianças revivendo um passado distante e perto. Estavam voltando para o momento que separou suas vidas.
            Nessa noite, com seu primo ¨Zé Carro¨, sanfoneiro talentoso, se alegrou no churrasco e na cantoria, festejando o tempo que soube sabiamente esperar o momento do próprio tempo.

Marco Antônio Abreu Florentino

OBS: Fui testemunha desse retorno sentimental que tanto me impressionou, visto que os dois personagens amigos pareciam ter ignorado o longo tempo que separava duas vidas em espiral.