PREDESTINAÇÃO X DETERMINAÇÃO = IMPEACHMENT?
DA SÉRIE CONTOS CURTOS:
PREDESTINAÇÃO X DETERMINAÇÃO = IMPEACHMENT?
Não sabia o porquê de ter se envolvido com os temidos ¨comunistas¨, afinal eram ¨ladrões de criancinhas¨ e ela, uma garota bem nascida, da classe média alta de Belo Horizonte, estudante dos melhores e mais tradicionais colégios da cidade.
O fato é que, quando se deu por conta, já estava participando da luta armada contra a ditadura militar, que se estabelecia cada vez mais forte numa nação de gente assustada, que andava falando de lado e olhando pro chão.
Eram tempos difíceis, de aparente calma. Entretanto os quartéis fervilhavam nervosismo e também medo, situação não muito diferente nas universidades e porões clandestinos das cidades, onde estudantes e militantes de esquerda conspiravam em busca da liberdade perdida.
E lá estava ela no meio de tudo isso, até ser presa e colocada nas terríveis masmorras fedorentas de sangue e suor, infligidas por carrascos impiedosos, que não cansavam de torturar, humilhar e fragmentar almas humanas.
Somente ela e Deus sabem o que realmente se passou. Pau de arara? Cadeira do dragão? Ratos vivos na vagina? Roleta russa? Ninguém sabe ao certo e talvez nunca saberá. Tentou colar os cacos restantes de dignidade humana, se levantou, aprumou e tocou a vida em frente. Como orgulhosa fênix, ressurgiu das cinzas.
Tempos depois, refletiu e chorou na intimidade do seu refúgio. Tinha se tornado a primeira presidente de um país emergente e grandioso, legitimada pelo seu povo.
Predestinação ou resultado do planejamento de uma personalidade forte, determinada e comprometida com seus ideais?
Talvez nem um nem outro. Em verdade o destino lhe deu todas as ferramentas para acordar e alavancar, de uma vez por todas, uma nação adormecida por um povo que tem na sua origem cultural a indolência, a corrupção e a passividade tão marcantes que se pode afirmar: um povo com vocação para a ¨servidão voluntária¨.
De nada valeu toda essa experiência de vida e o sofrimento de uma existência aguerrida e fiel a uma ideologia que se quer de esquerda e progressista, nem que seja somente do ponto de vista da linguagem ou da retórica. O poder, como sempre, cobrou caro sua senda. Tornou-se um dos governantes mais tirânicos que o país já pariu, passando como um rolo compressor sobre tudo e todos em suas ações e decisões.
Tal comportamento lhe custou muito caro. Ganhou os piores inimigos que alguém pode ter... aqueles que se escondem nas sombras das traições, intrigas, hipocrisias, mentiras e falsidades, de difícil combate, pior até que o das guerrilhas nas selvas, pois esses vermes em forma de gente só mostram suas caras quando se sentem seguros diante de seus pares, geralmente em ocasiões de grande repercussão e visibilidade, onde esquecem até a razão de estarem ali, não resistindo à oportunidade narcisista de gastarem seus quinze minutos de fama na vida com mensagens vazias, patéticas e ridículas. Foi demais pra ela.
Hoje, na intimidade do seu refúgio, lambendo as feridas de um ilegal e ilegítimo impeachment e se preparando para recomeçar mais uma vez a luta, talvez esteja novamente chorando, dessa vez por perceber a gravidade histórica de não ter impedido, quando podia, a destruição de uma nação gigante pela própria natureza, bela, forte... um impávido colosso deitado eternamente em berço esplêndido, a qual, para os filhos deste solo és mãe gentil, pátria amada Brasil.
Marco Antônio Abreu Florentino
https://youtu.be/g1M7cgm6Yqk
(Roda Viva - Chico Buarque e MPB4)
Marco Florentino
Enviado por Marco Florentino em 20/04/2016
Alterado em 23/06/2019