Marco Florentino
Em prosa e verso
Textos
RELAÇÃO GERMINAL INCESTUOSA: POVO BRASILEIRO E CORRUPÇÃO
RELAÇÃO GERMINAL INCESTUOSA: POVO BRASILEIRO E CORRUPÇÃO

O brilhante artigo do filósofo Vladimir Safatle (tinha que ser filósofo) transcrito a seguir, vai exatamente na mesma linha do meu pensamento, o qual tenho tentado transmitir sem muito sucesso nas redes sociais e outros meios de comunicação, visto um grande número de respostas com opiniões discordantes baseadas em interpretações distorcidas.

As pressões tendenciosas por parte da grande mídia e dos segmentos políticos partidários da direita radical, como também da elite tradicional improdutiva, vem sistematicamente influenciando na opinião das pessoas e na condução das manifestações de rua, inclusive no judiciário, de forma tão perigosa quanto uma ditadura de quinta.

No final, caso se concretize as prisões de Lula e asseclas e a derrubada do governo sem um instrumento jurídico legal, as situações política, social e econômica tenderão para a normalidade, os calhordas que escaparem da degola da lava jato voltarão ao poder e o povo brasileiro ficará feliz e satisfeito, de alma lavada, retornando à sua habitual rotina de servidão e alienação, até que esses canalhas corruptos que estiverem à frente da nação extrapolem de novo em suas famigeradas e tenebrosas transações criminosas, fazendo com que o povo acorde novamente, completando assim esse centenário circulo vicioso que vem desde Gregório de Matos Guerra.

Ou seja, á a dialética brasileira amaldiçoada pela nossa raiz cultural que não se completa, movimentando-se sempre em círculo e não em espiral, como deve ocorrer na evolução da historicidade temporal de qualquer nação que se queira minimamente progressista.

Marco Antônio Abreu Florentino


ARTIGO DE VLADMIR SAFATLI EM 18/03/2016 (Jornal Folha de São Paulo)
O suicídio da Lava Jato

O juiz Sergio Moro conseguiu o inacreditável: tornar-se tão indefensável quanto aqueles que ele procura julgar. Contrariamente ao que muito defenderam nos últimos dias, suas últimas ações são simplesmente uma afronta a qualquer ideia mínima de Estado democrático. Não se luta contra bandidos utilizando atos de banditismo.

A divulgação das conversas de Lula com seu advogado constitui uma quebra de sigilo e um crime grave em qualquer parte do mundo. Não há absolutamente nada que justifique o desrespeito à inviolabilidade da comunicação entre cliente e advogado, independente de quem seja o cliente. Ainda mais absurdo é a divulgação de um grampo envolvendo a presidente da República por um juiz de primeira instância tendo em vista simplesmente o acirramento de uma crise política.

Alguns acham que os fins justificam os meios. No entanto, há de se lembrar que quem se serve de meios espúrios destrói a correção dos fins.

Pois deveríamos começar por nos perguntar que país será este no qual um juiz de primeira instância acredita ter o direito de divulgar à imprensa nacional a gravação de uma conversa da presidente da República na qual, é sempre bom lembrar, não há nada que possa ser considerado ilegal ou criminoso.

Afinal, o argumento de obstrução de Justiça não para em pé. Dilma tem o direito de nomear quem quiser e Lula não é réu em processo algum. Se as provas contra ele se mostrarem substanciais, Lula será julgado pelo mesmo tribunal que colocou vários membros de seu partido, de maneira merecida, na cadeia, como foi no caso do mensalão.

Lembremos que "obstrução de Justiça" é uma situação na qual o indivíduo, de má-fé e intencionalmente, coloca obstáculos à ação da Justiça para inibir o cumprimento de uma ordem judicial ou diligência policial. Nomear alguém ministro, levando-o a ser julgado pelo STF, só pode ser "obstrução" se entendermos que o Supremo Tribunal não faz parte da "Justiça".

A fragilidade do argumento é patente, assim como é frágil a intenção de usar um grampo ilegal cuja interpretação fornecida pelo sr. Moro é, no mínimo, passível de questionamento.

Na verdade, há muitas pessoas no país que temem que o sr. Moro tenha deixado sua função de juiz responsável pela condução de processo sobre as relações incestuosas entre a classe política e as mega construtoras para se tornar um mero incitador da derrubada de um governo.

A Operação Lava Jato já tinha sido criticada não por aqueles que temiam sua extensão, mas por aqueles que queriam vê-la ir mais longe. Há tempos, ela mais parece uma operação mãos limpas maneta.

Mesmo com denúncias se avolumando, uma parte da classe política até agora sempre passa ilesa. Não há "vazamentos" contra a oposição, embora todos soubessem de nomes e esquemas ligados ao governo FHC e a seu partido. Só agora eles começaram a aparecer, como Aécio Neves e Pedro Malan.

Reitero o que escrevi nesta mesma coluna, na semana passada: não devemos ter solidariedade alguma com um governo envolvido até o pescoço em casos de corrupção. Mas não se trata aqui de solidariedade a governos. Trata-se de recusar naturalizar práticas espúrias, que não seriam aceitas em nenhum Estado minimamente democrático.

Não quero viver em um país que permite a um juiz se sentir autorizado a desrespeitar os direitos elementares de seus cidadãos por ter sido incitado por um circo midiático composto de revistas e jornais que apoiaram, até o fim, ditaduras e por canais de televisão que pagaram salários fictícios para ex-amantes de presidentes da República a fim de protegê-los de escândalos.

O Ministério Público ganhou independência em relação ao poder executivo e legislativo, mas parece que ganhou também uma dependência viciosa em relação aos humores peculiares e à moralidade seletiva de setores hegemônicos da imprensa.

Passam-se os dias e fica cada dia mais claro que a comoção criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal.

Por isso, é muito provável que, derrubado o governo e posto Lula na cadeia, a Lava Jato sumirá paulatinamente do noticiário, a imprensa será só sorrisos para os dias vindouros, o dólar cairá, a bolsa subirá e voltarão ao comando os mesmos corruptos de sempre, já que eles foram poupados de maneira sistemática durante toda a fase quente da operação.

O que poderia ter sido a exposição de como a democracia brasileira só funcionou até agora sob corrupção, precisando ser radicalmente mudada, terá sido apenas uma farsa grotesca.
Marco Florentino
Enviado por Marco Florentino em 18/03/2016
Alterado em 18/03/2016
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