O ARQUITETO E O HOMEM - Lição de Vida
O ARQUITETO E O HOMEM - Lição de Vida
¨O homem é mais importante que a arquitetura¨
Logo após a morte de Oscar Niemeyer, dentre as diversas frases e pensamentos publicados das suas entrevistas em vida, esta foi a que mais incitou à reflexão, talvez pelo fato de que seu autor tenha sido um dos mais importantes arquitetos de todos os tempos e que, como ele mesmo declarava, tinha efetivamente dedicado todo seu esforço de vida à ela.
Chico Buarque, que o conhecia desde criança, visto que seu pai e Niemeyer eram muito amigos, a ponto de ter sido influenciado por ele a iniciar o curso de arquitetura, fez uma declaração por escrito que demonstra o quanto o genial compositor apreendeu do mestre e aprendeu com ele: "Oscar Niemeyer teve uma vida muito bonita. Foi um dos maiores artistas do seu tempo e um homem maior que a sua arte".
Numa época em que a inversão dos valores humanísticos são colocados em desavergonhada evidência, tal pensamento se reveste de fundamental importância. Hoje a exploração do homem pelo homem se faz da mais vil de todas as formas, qual seja, travestida de um falso moralismo que tenta passar a valorização humana como fim de todo o esforço organizacional das instituições e do estado. Trata-se de uma ética derivada de uma resistência capitalista às pressões socialistas, de origem marxista, que ainda se mantém firme, como bem afirmou Niemeyer, a despeito da queda do muro de Berlim ou da tão propalada terceira via encarnada na social democracia.
Nessa ética o homem, mais do que nunca, trabalha para o capital, que assume sua identidade através de sua força fabril, obrigando-o à manutenção das suas relações sociais precedidas pela sua capacidade laboral ou artistico intelectual. Na prática, o indivíduo procura valorizar sua auto imagem não pelo que é mas pelo que faz ou é capaz de fazer. Apresenta-se à sociedade como o artífice, o artista, o profissional e não como pessoa, colocando assim seu ofício na frente.
Ironicamente, o comunismo assumido e defendido por Niemeyer, de reconhecida simpatia stalinista, é tão ou mais pernicioso que o combatido capitalismo desmedido e disfarçado de neoliberalismo, justificado pela construção do estado de bem estar social keynesiano, o qual propõe a minarquia ou a maior restrição possível do estado sobre a economia, auxiliado pela globalização decorrente dos recursos da tecno informática, destacadamente a internet.
Mais coerente, a meu ver, foram suas realizações e trabalho que, em aparente contraste com sua filosofia e como querem os raríssimos críticos do seu modo de ser e viver, pareciam estar à disposição de uma elitizada minoria, supondo a magnificência e suntuosidade das suas obras a serviço das principais representações capitalistas, com destaque aos Estados Unidos. A essa crítica qualifico como ingênua ou de escassa profundidade, afinal, para que seja visto, ouvido e respeitado, um profissional ou artista de reconhecido valor procura, entre outras virtudes, a universalidade e esta, em sua essência, não deve ser ideológica, política, espacial ou temporal.
Apesar do intenso trabalho, Niemeyer manteve-se fiel durante toda sua existência às coisas simples e descomplicadas da vida, desde sua adolescência boêmia até a velhice, reverenciada e vivida no cotidiano de um homem comum, apegado à família e aos amigos, chegando a se casar aos 99 anos de idade por uma necessidade humana, como ele próprio dizia, de usufruir o melhor da vida.
Sua visão de mundo e do homem assim se resumia:
"Sou pessimista diante da ideia de que o homem, quando nasce, já começa a morrer, como notou Jean Paul Sartre. Mas, na vida, caminhamos rindo e chorando o tempo todo: é preciso, então, aproveitar o lado bom da vida, usufruir o melhor possível e aceitar os outros como eles são. Sempre digo: o importante é o homem sentir como é insignificante, é o homem olhar para o céu e ver como somos pequeninos. Ultimamente, no entanto, tenho me espantado do quanto a inteligência do homem é fantástica! Tenho conversado sobre astronomia. Como é imprevisível o que ele pode criar!"
Dessa forma, Niemeyer demonstrava a consciência que tinha da dor e efemeridade existencial, entretanto mantinha a esperança no homem, acreditando que somente ele, mais que a própria arquitetura, poderia mudar para melhor um mundo tão desigual.
Marco Antônio Abreu Florentino
Marco Florentino
Enviado por Marco Florentino em 09/07/2015
Alterado em 09/07/2015