DA SÉRIE CONTOS CURTOS
CONTO N° 18
VIDA, MORTE E OUTRA VIDA CESARINA

          Ninguém sabe ao certo, o fato é que, após tantas idas e vindas de uma existência marcada pelas agruras de acontecimentos marcantes como a perda precoce da mãe, a distância paterna durante a infância e adolescência, a inteligência e talentos excepcionais, motivo de um sofrido isolamento por bullying e também por uma discriminação descabida, Cesarina partiu para uma misteriosa peregrinação num deserto africano desconhecido.
          Parece que caminhou sete dias e sete noites. Conta-se que teve um encontro com uma criatura de feições extraordinariamente belas, com face de pele sedosa, olhos vermelhos injetados, orelhas pontiagudas e duas protuberâncias esquisitas na região frontal. Exalava um odor fétido de enxofre e um hálito putrefato.
          Tal qual Fausto de Goethe, dizem que vendeu sua alma em troca de felicidade e prazer. Fez o trato porque nunca acreditou em outra vida depois da morte.
          Desde então, ao voltar, sua vida tomou outro rumo. Se formou médica, trabalhou nas melhores e mais disputadas empresas, fez teatro e ganhou muito dinheiro, inclusive como empresária do ramo da saúde. Arranjou um belo e viril namorado e morreu aos 72 anos de câncer intestinal. Foi cremada conforme seu desejo e suas cinzas espalhadas pelos cabarés da cidade.
         Semanas depois, sua melhor amiga de nome Clara, seguidora convicta do espiritismo ¨Kardeciano¨ relatou que numa sessão recebeu sua amiga do além dizendo que estava caminhando em direção a uma estranha escuridão, permeada de fogueiras e gritos, de mãos dadas com aquela criatura do deserto, mas que estava bem e assim como fazia sua melhor amiga em vida, transmitia a todos um ¨fiquem na paz¨.

Marco Antônio Abreu Florentino