Marco Florentino
Em prosa e verso
Textos
EPOPÉIA AMAZÔNICA - A BORDO DE UM NAsH
EPOPÉIA AMAZÔNICA – A BORDO DE UM NAsH

            Chamo de ¨autêntica aventura¨ a participação em missões a bordo dos Navios de Assistência Hospitalar (NAsH) da Marinha do Brasil na região amazônica.
            Como oficial médico, embarquei em 1986 no NAsH Oswaldo Cruz na condição de seu segundo pediatra, visto que sua incorporação à Marinha ocorreu em 1984 e sua primeira comissão de assistência aos povos ribeirinhos dos rios da Amazônia aconteceu em 1985.
            Lembro, como se fosse hoje, nosso Comandante, verdadeiro líder nato, inteligente e muito espirituoso, dizer que o navio tinha um diferencial importante em relação a outros navios da Marinha: nossos armamentos e canhões eram seringas, agulhas, bisturis, estetoscópios e brocas odontológicas.
            Nossa primeira comissão naquele ano foi no Rio Tocantins, sua foz e a ilha de Marajó. Visitamos, nesta grande ilha do Pará, uma cidadezinha chamada Genipapo , toda construida sobre palafitas. Não conseguíamos aterrissar o helicóptero (Esquilo), em função do aglomerado que a população local formava devido o ineditismo da situação. Quando finalmente conseguimos, nos sentimos como ¨deuses astronautas¨ para aquele povo, tão estarrecidos com a visão de nossas presenças paramentados com fardas apropriadas a missões aéreas, que até pareciam estar em transe.
            Várias situações, de toda ordem, médicas ou não, foram vivenciadas, mas as que mais marcaram foram as ocorridas durante a Comissão do Rio Juruá, quando também enfrentamos a febre negra do Amazonas, a alta incidência de hanseníase, muita desnutrição, raquitismo, verminoses e até mesmo formas raras de uma doença dermatológica chamada pênfigo, como no caso do ¨menino peixe¨, de onze anos de idade, cuja pele estava totalmente coberta por escamas oleosas e fétidas, obrigando-nos a embarcá-lo, juntamente com a mãe e um irmão, para inicio de tratamento no navio e continuação em centro especializado de Manaus. A grande maioria das pessoas dessa região nunca tinha sido atendida por um médico ou dentista.
            No entardecer deslumbrante da Amazônia, navegando mansamente nos confins da selva, no alto Juruá, longe de tudo e do mundo, em silêncio absoluto, vivíamos a estranha sensação contraditória de nos sentirmos parte daquela natureza encantadora e misteriosa, ouvindo o mais delicado som das águas, plantas e animais e a saudade de casa, da nossa condição urbana caótica, porém incrustada na nossa origem e forma de viver.
          Poucos brasileiros tem o privilégio de conhecer profundamente essa região mágica e a essência da sua população. Não me refiro às grandes cidades e aglomerados urbanos: Belém, Manaus, Macapá, Rio Branco e outras capitais e sim a alma da Amazônia, com seus rios, floresta, flora e fauna, mormente através de ações que levem a esperança de uma vida melhor ao seu patrimônio humano, com a minimização dos seus sofrimentos.

Marco Antônio Abreu Florentino
Médico Pediatra
Marco Florentino
Enviado por Marco Florentino em 09/06/2015
Alterado em 28/11/2023
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